Sou eu mesmo, mas não aquele Espírito trocista
e cáustico de outrora. O reizinho do século dezoito, que dominava pelo pensamento
e pelo gênio a tantos soberanos, hoje não mais tem nos lábios aquele sorriso
mordaz, que fazia tremer os inimigos e os próprios amigos! Meu cinismo
desapareceu diante da revelação das grandes coisas que eu tinha pretensão de
saber, mas que só conheci no além-túmulo!
Pobres cérebros demasiado estreitos para
conterem tantas maravilhas! Humanos, calai-vos e humilhai-vos ante o poder
supremo! Admirai e contemplai! É o que podeis fazer. Como quereis aprofundar
Deus e o seu grande trabalho? Apesar de todos os seus recursos, a vossa razão
não se quebra diante do átomo e do grão de areia que ela não pode definir?
Eu
empreguei a minha vida a procurar e conhecer Deus e seu princípio. Minha razão
se enfraqueceu e eu cheguei ao ponto não de negar Deus, mas a sua glória, o seu
poder e a sua grandeza. Eu o explicava desenvolvendo-se no tempo. Uma intuição
celeste me dizia que rejeitasse tal erro, mas eu não escutava e me fiz apóstolo
de uma doutrina mentirosa... Sabeis por quê? Porque, no tumulto e na confusão
de meus pensamentos, num entrechoque incessante, eu só via uma coisa: meu nome
gravado no frontão do templo da memória das nações! Eu só via a glória que me
prometia essa juventude universal que me cercava e parecia saborear com suave
delícia a essência da doutrina que eu lhe ensinava.
Entretanto, empurrado não sei por qual remorso
de minha consciência, quis parar, mas era tarde. Como toda utopia, todo sistema
que abraçamos nos arrasta. A princípio segue a torrente, depois nos arrasta e
nos quebra, tão rápida e violenta é por vezes a sua queda.
Crede-me, vós que aqui estais à procura da
verdade, encontrá-la-eis quando tiverdes tirado de vosso coração o amor às
lantejoulas, que um tolo amor-próprio e um tolo orgulho fazem brilhar aos
vossos olhos.
Na nova via por onde marchais, não temais
combater o erro e desafiá-lo, quando se erguer à vossa frente. Não é uma
monstruosidade preconizarmos uma mentira, contra a qual ninguém ousa
defender-se, pelo fato de saber-se que fizemos discípulos que ultrapassaram as
nossas crenças?
Vedes,
meus amigos, que o Voltaire de hoje não é mais aquele do século dezoito. Eu sou
mais cristão, porque aqui venho fazer-vos esquecer a minha glória e vos lembrar
o que eu fui na juventude e o que eu amava em minha infância.
Oh! Como eu gostava de me perder no mundo dos
pensamentos! Minha imaginação ardente e viva percorria os vales da Ásia em
busca daquele que chamais Redentor... Eu gostava de percorrer os caminhos que
ele tinha percorrido. E como me parecia grande e sublime esse Cristo em meio à
multidão! Eu acreditava ouvir a sua voz poderosa, instruindo os povos da
Galileia, das bordas do Tiberíades e da Judeia!...
Mais
tarde, nas minhas noites de insônia, quantas vezes me ergui para abrir uma
velha Bíblia e reler suas páginas santas! Então minha fronte se inclinava
diante da cruz, esse sinal eterno da redenção, que une a Terra ao Céu, a
criatura ao Criador!... Quantas vezes admirei esse poder de Deus,
subdividindo-se, por assim dizer, e cuja centelha se encarna para fazer-se tão
pequena, vindo entregar a alma no Calvário, em expiação!...vítima augusta cuja
divindade eu negava, e que, entretanto, me fez dizer:
Teu Deus que tu traíste, teu Deus
que tu blasfemas;
Para ti, para o Universo,
Morreu nesses lugares!
Sofro, mas expio a resistência que
opunha a Deus. Eu tinha a missão de instruir e esclarecer. A princípio o fiz,
mas o meu facho se extinguiu nas minhas mãos, na hora marcada para a luz.
Felizes filhos do século dezenove e do
século vinte, a vós é que é dado ver luzir o facho da verdade. Fazei que vossos
olhos vejam bem a sua luz, porque para vós ela terá radiações celestes, e sua
claridade será divina!
VOLTAIRE
Filhos, deixei que em meu lugar falasse um dos
vossos grandes filósofos, principal chefe do erro. Quis que ele viesse
dizer-vos onde está a luz. Que vos parece? Todos virão repetir-vos: “Não há
sabedoria sem amor nem caridade”. Dizei-me, que doutrina será mais suave para
ensinar que o Espiritismo? Nunca seria demasiado repetir-vos que o amor e a
caridade são as duas virtudes supremas que unem, como diz Voltaire, a criatura
ao Criador. Oh! Que mistério e que laço sublime! Ínfimo verme da Terra, que
pode tornar-se tão poderoso que a sua glória atingirá o trono do Eterno!...
SANTO AGOSTINHO
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