quinta-feira, 5 de março de 2015

A RAZÃO DA DOR



    Raquel, antiga servidora da residência de Cusa, ergueu a voz para indagar do Mestre por que motivo a dor se convertia em aflição nos caminhos do mundo.
    Não era o homem criação de Deus? Não dispõe a criatura do abençoado concurso dos anjos?
    Não vela o Céu sobre os destinos da Humanidade?
    Jesus fitou na interlocutora o olhar firme e considerou:
    — A razão da dor humana procede da pro­teção divina. Os povos são famílias de Deus que, à maneira de grandes rebanhos, são cha­mados ao Aprisco do Alto. A Terra é o caminho. A luta que ensina e edifica é a marcha. O sofri­mento é sempre o aguilhão que desperta as ovelhas distraídas à margem da senda verda­deira.
    Alguns instantes se escoaram mudos e o Mestre voltou a ponderar:
    — O excesso de poder favorece o abuso, a demasia de conforto, não raro, traz o relaxa­mento, e o pão que se amontoa, de sobra, cos­tuma servir de pasto aos vermes que se alegram no mofo...
    Reparando, porém, que a assembléia de ami­gos lhe reclamava explicação mais ampla, elu­cidou fraternalmente:
     - Um anjo, por ordem do Eterno Pai, to­mou à própria conta um homem comum, desde o nascimento. Ensinou-lhe a alimentar-se, a mo­ver os membros e os músculos, a sorrir, a re­pousar e a asilar-se nos braços maternos. Sem afastar-se do protegido, dia e noite, deu-lhe as primeiras lições da palavra e, em seguida, orien­tou-lhe os impulsos novos, favorecendo-lhe o en­sejo de aprender a raciocinar, a ler, a escrever e a contar. Afastava-o, hora a hora, de influên­cias perniciosas ou mortíferas de Espíritos infe­lizes que o arrebatariam, por certo, para o sor­vedouro da morte. Soprando-lhe ao pensamento ideias iluminadas aos clarões do Infinito Bem, através de mil modos de socorro imperceptível, garantiu-lhe a saúde e o equilíbrio do corpo. Dava-lhe medicamentos invisíveis, por intermédio do ar e da água, da vestimenta e das plantas. Vezes sem conta, salvou-o do erro, do crime e dos males sem remédio que atormentam os pecadores. Ao amanhecer, o Pajem Celestial acorria, atento, preparando-lhe dia calmo e proveitoso, defendendo-lhe a respiração, a alimentação e o pensamento, vigiando-lhe os passos, com amor, para melhor preservar-lhe os dons; ao anoitecer, postava-se-lhe à cabeceira, amparando-lhe o cor­po contra o ataque de gênios infernais, aguar­dando-o, com maternal cuidado, para as doces instruções espirituais nos momentos de sono. No transcurso da vida, guiou-lhe os ideais, auxiliou-o a selecionar as emoções e a situar-se em traba­lho digno e respeitável; clareou-lhe o cérebro jovem, insuflou-me entusiasmo santo, rumo à vida superior, e estimulou-o a formar um reino de santificação e serviço, progresso e aperfeiçoamento, num lar... O homem, todavia, que nunca se lembrara de agradecer as bênçãos que o cercavam, fêz-se orgulhoso e cruel, diante dos interesses alheios. Ele, que retinha tamanhas graças do Céu, jamais se animou a estendê-las na Terra e passou simplesmente a humilhar os outros com a glória de que fora revestido por seu devotado e invisível benfeitor. Quando expe­rimentou o primeiro desgosto, que ele mesmo provocou menosprezando a lei do amor universal, que determina a fraternidade e o respeito aos semelhantes, gesticulou, revoltado, contra o Céu, acusando o Supremo Senhor de injusto e indife­rente. Aflito, o anjo guardião procurava levan­tar-lhe o ideal de bondade, quando um Anjo Maior se aproximou dele e ordenou que o primeiro dissabor do tutelado endurecido por ex­cesso de regalias se convertesse em aflição. Rolando, mentalmente, de aflição em aflição, o homem começou a recolher os valores da paciên­cia, da humildade, do amor e da paz com todos, fazendo-se, então, precioso colaborador do Pai, na Criação.
       Finda a historieta, esperou Jesus que Ra­quel expusesse alguma dúvida, mas emudecendo a servidora, dominada pela meditação que os en­sinamentos da noite lhe sugeriam, o culto da Boa Nova foi encerrado com ardente oração de júbilo indefinível.

Francisco Cândido  Xavier por  Neio Lucio. In: Jesus no Lar

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