Contam
as lendas que, quando o Criador concluiu a sua obra, dividiu-a em departamentos
e os confiou aos cuidados dos Anjos. Após algum tempo, o Todo Poderoso resolveu
fazer uma avaliação da sua criação e convocou os servidores para uma
reunião.
O primeiro a falar foi o Anjo das luzes.
Postou-se respeitosamente diante do Criador e lhe falou com entusiasmo:
"Senhor, todas as claridades que criastes para a Terra continuam
refletindo as bênçãos da sua misericórdia.
O Sol ilumina os dias terrenos com os resplendores divinos,
vitalizando todas as coisas da natureza e repartindo com elas o seu calor e a
sua energia. Deus abençoou o Anjo das luzes, concedendo-lhe a faculdade de
multiplicá-las na face do mundo.
Depois foi a vez do Anjo da terra e das águas, que exclamou
com alegria:
"Senhor, sobre o mundo que criastes, a terra continua
alimentando fartamente todas as criaturas; todos os reinos da natureza retiram
dela os tesouros sagrados da vida. E as águas, que parecem constituir o sangue
bendito da sua obra terrena, circulam no seio imenso, cantando as suas glórias. O Criador agradeceu as palavras do servidor fiel,
abençoando-lhe os trabalhos.
Em seguida, falou radiante, o Anjo das árvores e das flores.
"Senhor, a missão que concedestes aos vegetais da Terra
vem sendo cumprida com sublime dedicação. As árvores oferecem sua sombra, seus
frutos e utilidades a todas as criaturas, como braços misericordiosos do vosso
amor paternal, estendidos sobre o solo do planeta.
Logo após falou o Anjo dos animais, apresentando a Deus seu
relato sincero.
Os animais terrestres, Senhor, sabem respeitar as suas leis
e acatar a sua vontade. Todos têm a sua missão a cumprir, e alguns se colocam
ao lado do homem, para ajudá-lo. As aves enfeitam os ares e alegram a todos com
suas melodias admiráveis, louvando a sabedoria do seu Criador. Deus, jubiloso, abençoou seu mensageiro, derramando-lhe
vibrações de agradecimento.
Foi quando, então, chegou a vez do Anjo dos homens.
Angustiado e cabisbaixo, provocando a admiração dos demais, exclamou com
tristeza:
"Senhor, ai de mim! Enquanto meus companheiros falam da
grandeza com que são executados seus decretos na face da Terra, não posso
afirmar o mesmo dos homens...
Os seres humanos se perdem num labirinto formado por eles
mesmos. Dentro do seu livre-arbítrio criam todos os motivos de infelicidade.
Inventaram a chamada propriedade sobre os bens que Lhe pertencem inteiramente,
e dão curso ao egoísmo e a ambição pelo domínio e pela posse. Esqueceram-se
totalmente do seu Criador e vivem se digladiando.
Deus, percebendo que o Anjo não conseguia mais falar porque
sua voz estava embargada pelas lágrimas, falou docemente:
Essa situação será remediada. Alçou as mãos generosas e fez
nascer, ali mesmo no céu, um curso de águas cristalinas e, enchendo um cântaro
com essas pérolas líquidas, entregou-o ao servidor, dizendo:
Volta à Terra e derrama no coração de meus filhos este
líquido celeste a que chamarás água das lágrimas...
Seu gosto é amargo, mas tem a propriedade de fazer que os
homens me recordem, lembrando-se da minha misericórdia paternal. Se eles sofrem
e se desesperam pela posse passageira das coisas da Terra, é porque me
esqueceram, esquecendo sua origem divina.
... E desde esse dia o Anjo dos homens derrama na alma
atormentada e aflita da humanidade, a água bendita das lágrimas remissoras.
***
A lenda encerra uma grande verdade: cada criatura humana, no
momento dos seus prantos e amarguras, recorda, instintivamente, a paternidade
de Deus e as alvoradas divinas da vida espiritual.
Fonte: Livro "Crônicas de além túmulo", cap, 22
- Lenda das Lágrimas