(Sociedade Espírita
de Paris, grupo Faucherand
Médium: Sr. E. Vézy)
(Revista Espírita,
maio de 1862)
Sou eu mesmo, mas não aquele
Espírito trocista e cáustico de outrora. O reizinho do século dezoito, que
dominava pelo pensamento e pelo gênio a tantos soberanos, hoje não mais tem nos
lábios aquele sorriso mordaz, que fazia tremer os inimigos e os próprios
amigos! Meu cinismo desapareceu diante da revelação das grandes coisas que eu
tinha pretensão de saber, mas que só conheci no além-túmulo!
Pobres cérebros demasiado
estreitos para conterem tantas maravilhas! Humanos, calai-vos e humilhai-vos
ante o poder supremo! Admirai e contemplai! É o que podeis fazer. Como quereis
aprofundar Deus e o seu grande trabalho? Apesar de todos os seus recursos, a
vossa razão não se quebra diante do átomo e do grão de areia que ela não pode
definir?
Eu empreguei a minha vida a procurar e
conhecer Deus e seu princípio. Minha razão se enfraqueceu e eu cheguei ao ponto
não de negar Deus, mas a sua glória, o seu poder e a sua grandeza. Eu o
explicava desenvolvendo-se no tempo. Uma intuição celeste me dizia que
rejeitasse tal erro, mas eu não escutava e me fiz apóstolo de uma doutrina
mentirosa... Sabeis por quê? Porque, no tumulto e na confusão de meus pensamentos,
num entrechoque incessante, eu só via uma coisa: meu nome gravado no frontão do
templo da memória das nações! Eu só via a glória que me prometia essa juventude
universal que me cercava e parecia saborear com suave delícia a essência da
doutrina que eu lhe ensinava.
Entretanto, empurrado não
sei por qual remorso de minha consciência, quis parar, mas era tarde. Como toda
utopia, todo sistema que abraçamos nos arrasta. A princípio segue a torrente,
depois nos arrasta e nos quebra, tão rápida e violenta é por vezes a sua queda.
Crede-me, vós que aqui
estais à procura da verdade, encontrá-la-eis quando tiverdes tirado de vosso
coração o amor às lantejoulas, que um tolo amor-próprio e um tolo orgulho fazem
brilhar aos vossos olhos.
Na nova via por onde marchais,
não temais combater o erro e desafiá-lo, quando se erguer à vossa frente. Não é
uma monstruosidade preconizarmos uma mentira, contra a qual ninguém ousa
defender-se, pelo fato de saber-se que fizemos discípulos que ultrapassaram as
nossas crenças?
Vedes, meus amigos, que o Voltaire de hoje
não é mais aquele do século dezoito. Eu sou mais cristão, porque aqui venho
fazer-vos esquecer a minha glória e vos lembrar o que eu fui na juventude e o
que eu amava em minha infância.
Oh! Como eu gostava de me
perder no mundo dos pensamentos! Minha imaginação ardente e viva percorria os
vales da Ásia em busca daquele que chamais Redentor... Eu gostava de percorrer
os caminhos que ele tinha percorrido. E como me parecia grande e sublime esse
Cristo em meio à multidão! Eu acreditava ouvir a sua voz poderosa, instruindo
os povos da Galileia, das bordas do Tiberíades e da Judeia!...
Mais tarde, nas minhas noites de insônia,
quantas vezes me ergui para abrir uma velha Bíblia e reler suas páginas santas!
Então minha fronte se inclinava diante da cruz, esse sinal eterno da redenção,
que une a Terra ao Céu, a criatura ao Criador!... Quantas vezes admirei esse
poder de Deus, subdividindo-se, por assim dizer, e cuja centelha se encarna
para fazer-se tão pequena, vindo entregar a alma no Calvário, em
expiação!...vítima augusta cuja divindade eu negava, e que, entretanto, me fez
dizer:
Teu
Deus que tu traíste, teu Deus que tu blasfemas;
Para
ti, para o Universo, Morreu nesses lugares!
Sofro,
mas expio a resistência que opunha a Deus. Eu tinha a missão de instruir e
esclarecer. A princípio o fiz, mas o meu facho se extinguiu nas minhas mãos, na
hora marcada para a luz.
Felizes
filhos do século dezenove e do século vinte, a vós é que é dado ver luzir o
facho da verdade. Fazei que vossos olhos vejam bem a sua luz, porque para vós
ela terá radiações celestes, e sua claridade será divina!
VOLTAIRE
Filhos, deixei que em meu
lugar falasse um dos vossos grandes filósofos, principal chefe do erro. Quis
que ele viesse dizer-vos onde está a luz. Que vos parece? Todos virão
repetir-vos: “Não há sabedoria sem amor nem caridade”. Dizei-me, que doutrina
será mais suave para ensinar que o Espiritismo? Nunca seria demasiado
repetir-vos que o amor e a caridade são as duas virtudes supremas que unem,
como diz Voltaire, a criatura ao Criador. Oh! Que mistério e que laço sublime!
Ínfimo verme da Terra, que pode tornar-se tão poderoso que a sua glória
atingirá o trono do Eterno!...
SANTO
AGOSTINHO
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